O Direito de Convivência dos Avós: a desconstrução do modelo tradicional de família
Muitos fatores são determinantes na formação do caráter do indivíduo. Desde a tenra idade, tudo e todos à volta da criança têm papel fundamental e interferência direta na moldagem do indivíduo que o infante virá a ser.
Dentre estes fatores, provavelmente o mais determinante seja a convivência familiar. Um núcleo estável, que tenha condições de prover as melhores condições para o desenvolvimento do menor, certamente contribuirá, em muito, com a salutar formação do caráter do indivíduo e a construção de sua própria história.
A positivação dos direitos das crianças e adolescentes é um conceito relativamente moderno. Historicamente, o menor sempre foi considerado uma “extensão” da casa, não possuindo qualquer voz ativa ou direito de ter sua vontade levada em consideração. Assim, tínhamos que os pais (especialmente na figura do genitor) eram responsáveis pela determinação dos rumos da vida dos filhos, intervindo em assuntos como a profissão do mesmo e até mesmo sobre o casamento.

Com a evolução do direito moderno, o conceito de vulnerabilidade do menor (visto que ainda incapaz de tomar decisões próprias), bem como a noção da importância que a fase de desenvolvimento do indivíduo carrega consigo, permitiu que a legislação resguardasse, cada vez mais, os interesses e direitos dos menores.
Com relação aos direitos reconhecidos e positivados na legislação brasileira, vale destaque o Princípio do Melhor Interesse do Menor, além do Direito à Convivência Familiar.
O primeiro, sustentado principalmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), assegura que prevalecerá sobre qualquer outro direito, aquele que melhor atender aos interesses do infante. O segundo, por sua vez, se relaciona intimamente com o presente tratado, na medida em que reconhece o direito do menor em manter contato com seus familiares, a fim de que sejam formados laços duradouros por toda sua vida.
Ocorre que, no mundo real, nem sempre as famílias são constituídas com o famoso, porém ultrapassado, modelo pai, mãe e filhos. A superada legislação que versava sobre o assunto, impunha uma série de óbices à concessão de direitos a famílias que não obedeciam ao padrão histórico, como por exemplo, casais homoafetivos ou avós que assumiam a criação de seus netos.
Felizmente, a evolução do Direito de Família, auxiliado pela adesão do Brasil a uma série de tratados internacionais de proteção aos menores, flexibilizou este conceito, apresentando uma nova definição para “família”. No novo conceito esta apresenta-se como um núcleo de indivíduos, com laços sanguíneos ou não, que se considerem aparentadas, unidas por laços naturais. Assim, extinguiu-se a previsão expressa de que os direitos familiares seriam restritos ao pai e à mãe biológica do menor, estendendo o alcance dessa proteção aos parentes próximos e socioafetivos.
Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente também está carreado com previsões que asseguram, de forma ainda mais evidente, a importância dos parentes na criação do menor. Em seu artigo 25, §1º, resta definido o conceito de “família estendida” (parentes externos ao núcleo pai, mãe e filho) – “Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.
A jurisprudência tem acompanhado a notável evolução nos direitos à convivência familiar, com a promulgação de decisões inovadoras, sempre visando os melhores interesses do menor, mas que confrontam os entendimentos tradicionais da doutrina.
Não há dúvidas que a família não tem modelo certo, nem errado. O modelo da família ideal é aquele em que o menor se encontra abraçado e rodeado por pessoas que visam, incondicionalmente, seu bem estar.
A desconstrução do padrão da família tradicional se mostra fundamental à garantia dos direitos dos menores, em especial àqueles que por vezes se encontram desamparados por algum dos genitores, ou mesmo por ambos. Assim, assegura-se que o infante desenvolva sua personalidade no ambiente mais saudável possível, adequado a suprir suas necessidades, para que possa escrever sua própria história explorando todo o seu potencial enquanto indivíduo.
CONVIVÊNCIA DOS NETOS COM OS AVÓS
Dentre os parentes que mais assumem responsabilidades de cuidado perante terceiros, cabe destacar a atuação dos avós. Frequentemente os avós, maternos ou paternos, acabam por auxiliar diretamente na criação de seus netos, provendo necessidades econômicas e emocionais.
Neste sentido, não são raros os casos em que os avós assumem papel de verdadeiros guardiões do menor, desenvolvendo vínculos que superam a relação sanguínea. No que se refere à criação do infante, o contato diário tem impacto decisivo na formação do caráter, conforme anteriormente dito, razão pela qual têm-se ampliado os direitos dos avós no que tange ao convívio familiar.

O inegável benefício que a convivência com os avós traz ao menor pode, e deve, ser prestigiado, independentemente da relação entre os genitores – que por vezes pode se mostrar bastante difícil.
Casos em que o menor reside na casa dos avós é o exemplo mais evidente desta relação. No entanto, cabe destacar que também é resguardado o direito de convivência, nos casos em que, por exemplo, o infante reside na casa da genitora e os avós paternos manifestam interesse em manter contato com o neto.
Cumpre esclarecer que o alcance da “família extensa” atinge direitos atinentes à guarda e a visitas familiares. Os conceitos não se confundem, na medida em que o primeiro se refere aos deveres de cuidado e tomada decisões determinantes na vida do menor; enquanto o outro se relaciona estritamente com a convivência entre os parentes. Ambos são resguardados juridicamente e possuem previsões para fazer valer o direito, desde que, conforme anteriormente asseverado, seja comprovado o melhor interesse do infante.
DIREITO À VISITAS
O direito à convivência se concretiza, em um primeiro momento, com a manifestação da vontade da parte interessada para que seja estabelecido um regime de visitas.
Usualmente, avós se deparam com impedimentos ao contato com seus netos em razão da falta de diálogo entre os genitores. Os avós podem pleitear o direito em nome próprio, não ficando restritos ao consentimento de qualquer dos genitores.
Comprovado o benefício do convívio pretendido, deverá o Juiz decidir em proveito dos requerentes, prestigiando os princípios antes mencionados.
Ainda neste sentido, a imposição de impedimento ao convívio com os avós configura abuso de poder familiar por parte dos pais, razão pela qual irá prevalecer o interesse do infante, em detrimento da vontade do genitor contrariado.
O Código Civil, em seu artigo 1.589, parágrafo único, estende o direito de visitas aos avós. Cumpre informar que esta previsão constitui mais uma das inovações do diploma, tendo sido incorporada ao código em 2.011.
DA GUARDA
Finalmente, cumpre trazer à discussão, a possibilidade mais extrema da participação dos avós na convivência familiar. Em casos extremos, a legislação pátria permite que os avós assumam o cargo de guardião legal da criança, recebendo poderes de ingerência sobre a vida destas, em patamar superior até mesmo dos genitores.

O caráter excepcional da medida se mostra pertinente, ante as inúmeras crianças que não são criadas na presença de seus genitores. Por certo que a concessão da medida depende de comprovação, vez que o direito dos avós é subsidiário ao dos genitores, sendo cabível a concessão da guarda nas hipóteses em que restar cabalmente demonstrado o benefício da concessão ao desenvolvimento do menor.
Via de regra, nestes casos são elaborados laudos psicossociais, desenvolvidos por um psicólogo e um assistente social, sendo levada em consideração a dinâmica familiar, a fim de que reste incontestável a participação dos avós no desenvolvimento da criança.
Assim, demonstrada a afinidade havida entre a criança e os avós responsáveis por seus cuidados, não subsistem impedimentos à determinação da guarda em favor dos mesmos.
O núcleo familiar tem impacto direto na formação do caráter do indivíduo. Assim, resta prestigiado o princípio do melhor interesse do menor, uma vez que permanecerá sob os cuidados daqueles com os quais mantém vínculos de afeto e confiança, e que certamente empregarão todos os esforços em prol do salutar desenvolvimento da criança.

Felipe P. Waetge
Sócio Fundador
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